segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O Espadachim de Carvão, Affonso Solano - Resenha



Sinopse:

"Filho de um dos quatro deuses de Kurgala, Adapak vive com o pai em sua ilha sagrada, afastada e adorada pelas diferentes espécies do mundo. Lá, o jovem de pele absolutamente negra e olhos brancos cresceu com todo o conhecimento divino a seu dispor, mas consciente de que nunca poderia deixar sua morada.
Ao completar dezenove ciclos, no entanto, isso muda.
Testemunhando a ilha ser invadida por um misterioso grupo de assassinos, Adapak se vê forçado a fugir pela vida e se expor aos olhos do mundo pela primeira vez, aplicando seus conhecimentos e uma exótica técnica de combate na busca pela identidade daqueles que desejam a morte dos Deuses de Kurgala".

Deem valor à literatura fantástica brasileira. Affonso Solano faz neste livro uma obra de fantasia que atrai o leitor em uma leitura simples, rápida e dinâmica, mas nem por isso fraca em explicar seus detalhes e descrever as situações em que o personagem principal se envolve. É cada vez mais crescente a visibilidade que os novos talentos brasileiros despontam, e isso está vinculado principalmente às divulgações na Internet. O autor é muito conhecido para quem costuma interagir com o mundo nerd, e faz parte do trio que compõe o podcast Matando Robôs Gigantes. E sendo um brasileiro, é importante que a divulgação de trabalhos assim seja disseminada, até mesmo para extinguir um estereótipo histórico sobre nossa literatura ser ruim e monótona.
A história começa... já começando. Um ponto não inovador, mas que agrada àqueles que foram atraídos pela premissa de aventura do livro, com cenas de ação e mostrando ao que veio. Temos, no primeiro capítulo, Adapak, o personagem principal em fuga, lançando-nos perguntas do tipo “por que o estão perseguindo? Quem o está perseguindo?”. O bom aqui é que vemos já em ação muitos dos elementos que serão detalhes cruciais da história, que posteriormente serão explicados um a um, em sua devida ordem e tempo. Não nos é explicado muito sobre Adapak nesse primeiro capítulo, já que o foco central é a apresentação de suas habilidades como Espadachim.
O segundo capítulo dá um salto no tempo para o passado de Adapak. Esses saltos são frequentes no decorrer do livro, e é aqui que a maior parte da história do personagem é explicada, sua origem, criação e o porquê de ser chamado de “espadachim de carvão” e como desenvolveu suas habilidades. O ritmo da narrativa, dessa forma, agrada pelo desprendimento em tentar explicar a história do protagonista através de uma passagem linear de tempo. Os flashbacks não atrapalham e logo você entende que esse é estilo escolhido por Affonso Solano ao contar a história de Adapak, no intuito de explicar e prender o leitor.
Com essa fórmula, somos apresentados ao mundo de Kurgala. Estamos em um lugar de espécies mistas, onde nenhuma é maior que a outra – e existem humanos. Através da diversidade de criaturas, as páginas do livro nos ensinam de forma descontraída e fácil a origem de Kurgala: anteriormente criada e habitada por dois espíritos, esse mundo não era nada além de um imenso mar inabitado. Vierem então quatro deuses (“Os Quatro que São Um” ou os “Dïngiri”) e, sob a permissão desses dois espíritos, passaram a morar em Kurgala, presenteando os antigos moradores com uma casa. Entendemos aqui a morada de cada um dos deuses como sendo continentes. Passado um longo tempo, os Quatro sentiram-se sozinhos e começaram a cultivar a vida em Kurgala, dando início a todas as espécies existentes. Descontentes com a criação dos mortais, os dois espíritos resolvem extinguir a criação dos Quatro deuses ameaçando inundar Kurgala e transformá-lo num imenso mar, como antes. Um dos quatro Dïngiri, o mais sábio deles, decide aprisionar os dois espíritos em um “imenso deserto de gelo” afim de impedir a catástrofe. Insatisfeitos com a atitude do irmão, os outros deuses convocam uma reunião que dura muito tempo e, ao fim dela, partem para viver exilados em suas próprias casas, abandonando o mundo mortal de Kurgala e entregando-o ao caos e crescente desordem - outra fórmula não original, porém extremamente criativa do autor. O mundo de Adapak é uma mistura de inúmeras religiões, línguas e espécies, lembrando muito o universo de Star Wars dentro de sua diversidade.
No decorrer desse enredo, Adapak procura por respostas e antigos amigos de sua infância, no mesmo ritmo que o passado nos é explicado e sabemos (não é spoiler, obviamente) que o protagonista é filho de um desses quatro deuses de Kurgala. A relação de pai e filho é comovente e próxima, criando no leitor uma profunda empatia pela figura divina e paterna – eu queria ser filho de um deus como esse, admito! A relação é um dos principais fios condutores da história (o resto é spoiler). Adapak é um verdadeiro nerd feliz, vivendo em uma caverna com o pai, cercado por aprendizados profundos e questionamentos filosóficos de espécies mortais e sapientes. Em resumo, todo o conhecimento que possui sobre Kurgala é basicamente teórico, daí a personalidade e pontos de vista cativantes e inocentes. Não bastando o fato de adorar livros de fantasia - como dos irmãos “Tamtul e Magano” que guiam e comparam muitas de suas atitudes -, Adapak é um exímio lutador. Justamente por conhecermos seu passado e suas figuras participantes, vemos como ele aprendeu e utiliza sua intrigante técnica de luta (“Os Círculos Tibaul”).
As medidas na obra são outra parte interessante: não existem metros para definir altura, e sim “cascos”, referindo-se à parte de um animal de Kurgala. Os anos são chamados de Ciclos, e outras medidas de tempo são designadas pelas “luas”. A substituição dos termos não interfere em nada, é outra vez facilmente explicado e entendido, a julgar que estamos em um mundo totalmente novo e fantasioso. Outro ponto é o nome das espécies e nome dos personagens. Leva algum tempo para acostumar e decorar (particularmente algumas espécies me deixaram perdido), assim como suas descrições e aparências exóticas – que lembram muito o universo de H.P. Lovecraft e Robert Howard, criador de Conan.
Se há pontos negativos, eles são poucos. Percebe-se que Affonso Solano tem um potencial bem maior a ser explorado, e como “O Espadachim de Carvão” é a primeira obra literária de sua autoria, fica claro que isso será mais bem desenvolvido nos livros seguintes da série – sim, haverá continuações. Além disso, o livro não é a melhor obra de fantasia brasileira, não há nela significados épicos a ponto de fazê-lo erguer os braços e exaltá-la a um nível supremo de veneração.
Algo que também pode ser negativo é o tamanho do livro (255 páginas, curto demais!), por outro lado vem a se tornar um ponto positivo, já que como dito no início, o modo de escrita de Affonso Solano é extremamente fácil e rápido, o que garante uma diversão garantida e um forte afloramento da imaginação ao mergulhar em Kurgala. O final surpreende e o faz entender melhor as motivações do vilão, é uma ideia que você compra, uma ideia coerente e compreensível. Daí vem o gancho para os próximos volumes.
Por fim, o que vale aqui é a história, e “O Espadachim de Carvão” é extremamente recomendável. Primeiro, por apresentar um enredo que te suga e diverte; segundo, por ser genuinamente brasileiro, o que mostra que temos bons materiais e ótimos autores inteligentes e criativos a serem apreciados.

Nota: 8,5 de 10


Por Felipe Santiago

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